sexta-feira, 30 de março de 2018

Luto - André Benatte

Luto
Pela felicidade perdida

Luto
Pela dor de um futuro passado

Luto
Pela memória destruída

Luto
Pra curar um coração cerrado


De Luto
Pela morte daquilo que você significava
E, principalmente, pelo homem morto que te amava.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Autopsicografia - Fernando Pessoa

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

sexta-feira, 23 de março de 2018

In-Pureza - André Benatte

Nuvem negra subiu aos céus
E toda região inundou-se dela,
Eram todos fumantes de inconsciência humana.

Tombaram as árvores,
O verde,
A vida.

A nuvem assentou-se:
A terra vestida de preto
– Um funeral –
De que serve tombarem "as gentes"
Por motivo tão banal?

A nova terra,
Capa preta,
Pode retornar um dia,
Despida em verde.

Sai à rua,
Passa um carro
– Respira bem fundo! –
E sente-se livre da queimada,
Vivendo meio aos escapamentos cotidianos.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Morte Infindável - André Benatte

Aventureiro,
Sentou-se face à morte.
Chocado
Desdenhou a própria sorte,
Resistiu a tentação!
"Conhecer-te morte?"
Não teve medo dela
Teve medo de si.

Aventureiro,
Sentou-se face a morte,
Reconheceu-a
E tão rápido!
Moveu um obstáculo
Pra tapar a própria visão.

Não a via mais,
Mas,
Não aliviava-lhe
Não cedia.

Aventureiro,
Moveu-se,
Viu a beleza da morte.
Tinha o simbolo do infinito
– Todas as mortes o tinham –
Obstáculo?
Morte?
Obstáculo!

Aventureiro,
Sentou-se face a morte
Beijou-a
Fez amor com ela

Morreu feliz

segunda-feira, 12 de março de 2018

Pequeno poema didático - Mario Quintana

O tempo é indivisível. Dize,
Qual o sentido do calendário?
Tombam as folhas e fica a árvore
Contra o vento incerto e vário.

A vida é indivisível. Mesmo
A que se julga mais dispersa
E pertence a um eterno diálogo
A mais inconsequente conversa.

Todos os poemas são um mesmo poema,
Todos os porres são o mesmo porre,
Não é de uma vez que se morre...
Todas as horas são extremas!

quarta-feira, 7 de março de 2018

Racional - André Benatte

Talvez paixão seja algo mais
Que difícil de descrever!
Causa tanto sofrer,
Não retorna nunca mais.

Não entende minha dor
O analista, fático,
Deveras: pouco prático.
Insensibilidade de pensador.

O que assola tanto o peito
Desse sujeito enigmático?
Cede: escreve o poema, e insatisfeito...
Volta a ser um matemático.